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A exigência da CND para a concessão das recuperações judiciais após a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020.

  22/10/2021

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Antônio Amabile e Sérgio Ávila.

 

Uma das controvérsias instaladas desde a promulgação da Lei nº 11.101/2005 tem origem na regra do art. 57 da LREF que trata da obrigação do devedor de apresentar certidões negativas de débitos tributários assim que o plano de recuperação judicial for aprovado pelos credores ou transcorrido o prazo de manifestação de credores contra o plano (art. 55).

Enquanto representantes das Fazendas Públicas reclamavam a aplicação imediata da regra, advogados e doutrinadores apregoavam a relativização da aplicação do dispositivo. Com isso, coube ao Poder Judiciário estabelecer a melhor interpretação por meio da jurisprudência. Posicionamento jurisprudencial seminal sobre a temática extrai-se da relatoria do Recurso Especial nº 1.187.404 - MT (2010/0054048-4) de autoria do Ministro Luis Felipe Salomão. No julgado, o Ministro Relator ressalta que o valor primordial a ser protegido nas recuperações judiciais é o da ordem econômica e que a  preservação da empresa como unidade econômica é de inegável utilidade social. Funda sua análise no art. 47 da LREF, transcrito a seguir, que considera norma-programa de densa carga principiológica e lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos.

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Aponta o Ministro Relator para a necessidade de se buscar interpretações que contribuam com a superação da crise empresarial. Diante disso, apregoa que a interpretação literal do art. 57 da LREF e do art. 191-A do CTN inviabiliza toda e qualquer recuperação judicial, conduzindo o instituto da recuperação ao sepultamento. Sustenta tal assertiva no fato de que a carga de tributos no Brasil é alta, o que leva a presumir que as empresas, especialmente aquelas em crise, apresentem elevado passivo. Para o Ministro Relator:

“A exigência peremptória de regularidade fiscal dificulta, ou melhor, impede, o benfazejo procedimento da recuperação judicial, o que não satisfaz o interesse nem da empresa nem dos credores, incluindo aí o Fisco, uma vez que é somente com a manutenção da empresa economicamente viável que se realiza a arrecadação, seja com repasse tributário direto da pessoa jurídica à Fazenda Pública, seja indiretamente, como, por exemplo, por intermédio dos tributos pagos pelos trabalhadores e das demais fontes de riquezas que orbitam uma empresa em atividade” (REsp Nº 1.187.404 – MT).

A decisão de 2013 continua atual a este respeito, pois a carga tributária no Brasil ainda é elevada. Segundo Boletim de estimativa de carga tributária bruta do Governo Federal divulgado em março de 2021 a carga tributária bruta entre 2010 e 2020 variou entre 31,64% e 33,04% (STN, 2021) o que é considerado para os padrões internacionais uma carga elevada em termos absolutos. Já em termos relativos, conforme aponta o Observatório de Política Fiscal da FGV/IBRE, comparando-se as cargas tributárias brutas em 2018, por exemplo, “em relação aos países emergentes, a carga tributária brasileira pode ser considerada, de fato, elevada. Alguns exemplos de nações com índices inferiores ao nosso: México (23,7%), Chile (26,3%), Colômbia (22,3%), China (20,1%), Índia (12,5%) e Coreia do Sul (26,8%).

O crédito tributário não poderia ficar sem solução e, por isso, apesar de não submeter-lhe ao plano de recuperação, a LREF cuidou de oferecer-lhe tratamento por meio de dois dispositivos: o parágrafo único do art. 60 que protege o objeto de alienação de qualquer ônus como a sucessão do arrematante nas obrigações tributárias e o art. 68 que permite às Fazendas Públicas deferir o parcelamento de seus créditos em sede de recuperação judicial com base em legislação específica. Ocorre que até 2020 a mencionada legislação específica de parcelamento não havia sido promulgada, fazendo com que a jurisprudência caminhasse no sentido de dispensar a CND para a concessão da recuperação judicial. Com a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020, as empresas passaram a contar com opções de parcelamento de débitos tributários previstos em Lei que permitem o pagamento em prestações mensais e sucessivas em regimes que podem variar entre 84 e 120 meses.

Resta saber se a partir de agora a jurisprudência passará a exigir a CND para a concessão de recuperação judicial e, em caso positivo, se tal exigência acarretará na diminuição de pedidos de recuperação ou no aumento das convolações em falência considerando-se, de um lado, a alta carga tributária do Brasil e, de outro, o alto índice de empresas em dificuldade que apresentam dívidas tributárias.

Quando não se dispunha de legislação específica de parcelamento tributário, a melhor interpretação indicava que o parcelamento da dívida tributária era mais um direito do contribuinte em recuperação do que uma faculdade da Fazenda Pública, afinal, o Estado tem o dever de estimular, como um de seus principais credores, o soerguimento da empresa, considerados a função social da propriedade, a capacidade contributiva e, também, a isonomia substancial em matéria tributária. Agora que o parcelamento está disponível, a melhor interpretação pode relevar o impacto do parcelamento oferecido nas chances de recuperação da empresa. Se o parcelamento inviabilizar a recuperação da empresa, qual deverá ser a postura da jurisprudência?  

 

 

Mais informações em: RECURSO ESPECIAL Nº 1.187.404 – MT disponível em https://www.stj.jus.br/; https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/carga-tributaria-do-governo-geral/2020/114?ano_selecionado=2020; https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/politica-economica/outros/tributacao-equidade-e-crescimento-economico