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O desafio da seleção do Administrador Judicial: responsabilidades e capacidades.

  12/09/2021

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Antônio Amabile e Sérgio Ávila.

 

O administrador judicial é um ator central na recuperação judicial e na falência, mas nem sempre foi assim. No Decreto Lei nº 7.661/45, vigente por praticamente seis décadas, não existia a figura do administrador judicial, mas havia o comissário na concordata e o síndico na falência. O comissário deveria ser o maior credor, mas no caso de três recusas sucessivas, poderia ser nomeada pessoa estranha desde que idônea e de boa fama e, ainda, preferencialmente comerciante.

Em 2005, com o advento da Lei nº 11.101, o direito brasileiro superou a era do Direito Falimentar e centrou esforços na superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, na manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Preservar a empresa tendo em vista a relevância de sua função social no estímulo à atividade econômica e seus reflexos na sociedade como um todo passou a ser central para o tratamento da insolvência. Com isso, surgia a necessidade de se alterar a premissa, um tanto discutida, de que o comissário e o síndico acabavam se tornando, de certa maneira, representantes dos credores. Exigia-se um profissional que fosse capaz de exercer um múnus público e auxiliasse o juízo de maneira absolutamente imparcial e independente e altamente especializada. Seus deveres, em rol exemplificativo, acabaram descritos na Lei nº 11.101/05 e ampliados recentemente com a Lei 14112/2020 e configuram um conjunto extenso de funções especializadas de auxílio ao juízo da insolvência. Embora sua regulação básica se encontre entre os artigos 21 e 25 do diploma legal, suas atribuições no âmbito da recuperação e da falência acabam espraiadas em praticamente todos capítulos da Lei nas 132 ocasiões em que aparece expressamente.

Tais atribuições são de variadas ordens durante todo o curso das demandas e o seu exercício compreende inclusive atividades parajurisdicionais, além de um variado cardápio de ações e iniciativas no plano contratual e de gerenciamento administrativo. Até por isso, Fábio Ulhoa Coelho aponta que “o advogado não é necessariamente o profissional mais indicado para a função, visto que muitas das atribuições do administrador judicial dependem, para seu bom desempenho, mais de conhecimentos de administração de empresas do que jurídicos”.

Para o desempenho do mister de AJ, a Lei foi um tanto econômica quanto aos requisitos necessários ao exercício da função, bastando que seja um profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada (art. 21 da LREF). O legislador não definiu formação ou requisito mínimo e não fez uso de rol taxativo ao indicar formações profissionais, mas exemplificativo deixando abertas as possibilidades para outras situações não previstas. Firmou apenas as indicações de que algumas formações – advogado, economista, administrador de empresas ou contador - seriam preferidas em detrimento de outras que também não cuidou de especificar. Neste ponto, com razão, afinal, a formação de um advogado não o qualifica, de per si, para o exercício de todos os deveres de um administrador judicial. A solução estaria na complementariedade de formações e competências na pessoa do administrador judicial ou em pessoa jurídica especializada pela cooperação de múltiplos profissionais, conforme prevê o próprio artigo 21 da LREF.

A nomeação de administrador judicial baseada apenas na confiança subjetiva além de trazer riscos para todos os envolvidos ainda pode comprometer o alcance dos melhores resultados possíveis nos processos de insolvência. O administrador judicial é fiscal do devedor na recuperação judicial e deve primar pelo equilíbrio de forças entre este e seus credores, com foco principal na transparência da atividade do devedor, reduzindo a assimetria de informações e apresentando o melhor quadro para o soerguimento da empresa. Na falência ele será o responsável pela liquidação do empresário ou sociedade empresária, pela realocação dos ativos na economia e pela possibilidade de reabsorção da força de trabalho. Diante disso, o administrador judicial deve ser um especialista capaz de interpretar o complexo ambiente de empresas e grupos em recuperação e falência com acuidade e agir com celeridade, sob pena de se transformar em parte do problema e, ao invés de apoiar o tão almejado tratamento antecipado e adequado da crise, tornar-se mais uma pedra nas engrenagens da recuperação.

A inexistência de critérios mais precisos e objetivos na LREF gera insegurança jurídica quanto ao ato de nomeação do administrador judicial. A descentralização da solução para cada juízo que acaba definindo, a seu modo e alvedrio, parâmetros próprios para a escolha de um auxiliar de sua confiança, acaba fazendo com que critérios os mais diversos sejam adotados em âmbito nacional, imiscuindo objetivismos e subjetivismos.

Ciente de que este quadro precisa ser alterado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visando garantir a qualidade da prestação jurisdicional e no estrito cumprimento de suas atribuições de implementar diretrizes nacionais para nortear a atuação institucional dos órgãos do Poder Judiciário, dispôs sobre a criação de cadastros de administradores judiciais pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal para orientar magistrados na escolha de profissionais. Trata-se de uma sistemática similar à adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que em 2015, por meio do Provimento CSM nº 2.306/2015, criou cadastramento para esta e outras finalidades auxiliares do juízo. Além do Tribunal de Justiça de São Paulo, outros tribunais estaduais, como o do Rio de Janeiro e o de Minas Gerais têm adotado medidas para a formação de um quadro de profissionais qualificados, aptos a serem nomeados como auxiliares nos processos de insolvência empresarial como se depreende do Provimento n. 56/2021 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro e a Portaria Conjunta nº 1234/2021 formalizada entre a Presidência e a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Os normativos já publicados indicam a preocupação de se reunir em cadastros previamente constituídos profissionais ou empresas com equipes com condições técnicas para fiscalizar e acompanhar a empresa em recuperação ou a massa falida. Tal esforço deverá disseminar-se nos outros Tribunais Estaduais fazendo com que os juízes possam ser assistidos por um credenciamento que deverá realizar escrutínio técnico prévio para nomear administradores judiciais e, com isso, resguardar a qualidade da prestação de serviços desta figura-órgão que se torna cada vez mais relevante no cenário nacional da insolvência.

 

Maiores detalhes em:

Silva, José Anchieta da. “O Administrador Judicial (o órgão) na recuperação judicial e na falência”, 1ª ed. Belo Horizonte, MG: Editora Del Rey, 2021.

Guimarães, Márcio Souza. "Administração Judicial na Lei 11.101 – Atividade Extremamente Qualificada que demanda um profissional qualificado". Disponível em: https://www.fgvblogsocietarioeinsolvencia.com/post/administra%C3%A7%C3%A3o-judicial-na-lei-11-101-2005, acesso em 10/09/21.

Coelho, Fábio Ulhoa. “Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas”, 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 107