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Supressão de garantias sem autorização do credor no plano de recuperação judicial.

  29/09/2021

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Antônio Amabile e Sérgio Ávila.

 

Recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por maioria sobre a extensão da validade e eficácia de cláusula do plano de recuperação judicial aprovado em assembleia de credores que suprime garantias reais e fidejussórias (REsp 1.794.209/SP). O Relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, defendeu em voto que acabou sendo acompanhado pela maioria que  a supressão das garantias, reais e fidejussórias, expressamente prevista no plano de recuperação judicial e aprovada em assembleia-geral de credores, vincula somente os credores que tenham concordado expressamente.

Vale destacar que há na Corte precedentes admitindo-se que a supressão de garantias reais e  fidejussórias, decididas em assembleia-geral de credores de sociedade submetida a regime de recuperação judicial, deve ser estendida aos credores ausentes ou sucumbentes na votação como, por exemplo, o REsp 1.388.948/SP. Neste julgado, lavrado também por maioria, restou assente o entendimento de que "o interesse dos credores/contratantes, no curso de processo recuperacional, é preservado pela sua participação na assembleia geral, quando então poderão aquiescer com a proposta, se lhes for favorável, alterá-la parcialmente, ou remodelá-la substancialmente, desde que a maioria e o devedor com isso consintam e a proposta não venha a afetar apenas aqueles que da assembleia não participaram" (grifo nosso).

Noutro julgado da Terceira Turma (REsp 1.532.943/MT), também lavrado por maioria, firmou-se o entendimento acerca da possibilidade da supressão das garantias reais e fidejussórias de forma ainda mais contundente. No seu voto, o Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, adotando a doutrina de Fábio Ulhoa Coelho, afirmou que “conservadas, em princípio, as condições originariamente contratadas, no que se insere as garantias ajustadas, a lei de regência prevê, expressamente, a possibilidade de o plano de recuperação judicial, sobre elas, dispor de modo diverso" e conclui que “ainda que determinado credor tenha optado por não comparecer à deliberação assemblear; ou, presente, se absteve de votar ou se posicionado em contrariedade, total ou parcialmente, à aprovação do plano, seus termos o subordinam, necessariamente. Compreensão diversa, por óbvio, teria o condão de inviabilizar a consecução do plano, o que refoge dos propósitos do instituto da recuperação judicial". Apesar de ter sido este o entendimento preponderante do julgado, faz-se mister destacar posicionamento do Ministro João Otávio de Noronha que afirmou na ocasião que “admitir que a assembleia geral de credores possa deliberar sobre a supressão ou substituição de garantias reais, desvinculada de qualquer meio de recuperação judicial, ou seja, sem que isso tenha reflexo no interesse dos credores, mas tão somente nos interesses próprios da empresa e de seus sócios, é atribuir-lhe um poder que a própria legislação restringiu, o que entendo não ser possível".

Em nova decisão a eg. Terceira Turma debruçou-se mais uma vez sobre o tema, no julgamento do Recurso Especial nº 1.700.487/MT, de relatoria do eminente Ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva, que apresentou voto, ao final vencido, sustentando que a supressão das garantias não poderia ser estendida a credores que com ela não assentiram expressamente. Na ocasião, o Ministro Relator apresentou fundamentos contrários à supressão das garantias reais defendendo particularmente que não se pode permitir que credores isolados, com realidades específicas, tenham seu direito de crédito aviltado com a criação de subclasses.

A inexistência de unanimidade quanto ao tema em debate remanesce na Terceira Turma do STJ. Recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por maioria sobre a extensão da validade e eficácia de cláusula do plano de recuperação judicial que suprime garantias reais e fidejussórias. Desta feita, contudo, o julgamento de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (REsp nº 1.794.209/SP) decidiu que  a supressão de garantias reais e fidejussórias decididas em assembleia-geral de credores de sociedade empresária submetida a regime de recuperação judicial, não pode ser estendida aos credores ausentes ou divergentes na votação.

Na ocasião, foram citados dispositivos que demonstram que tanto a supressão quanto a substituição de garantia só serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia (art. 6-C, art. 49, §§ 1º e 3º, e art. 50, § 1º, art. 59, caput, da Lei nº 11.101/05). Em outras palavras, a LREF assentaria que a novação sui generis (REsp nº 1.333.349/SP) nela estabelecida não acarreta prejuízo às garantias reais e fidejussórias, porquanto a supressão ou a substituição delas somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

A principal dúvida solve-se com a necessária colimação entre o que determinam os arts. 49, §2º e 50, §1º da Lei. Enquanto o primeiro estatui que "as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial" (grifo nosso), o segundo determina que “Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia” (grifo nosso) e, ao fazê-lo, subordina pelo critério da especialidade a deliberação assemblear à concordância expressa do credor titular da garantia.

Ao cabo, o Ministro Raul Araújo, vogal no REsp nº 1.885.536/SP, alerta para a dificuldade de financiamento para os empresários submetidos à recuperação judicial, no concernente à concessão de crédito, a prazos para amortização de empréstimos, à taxas de juros, à garantias e outras condições faz com que a manutenção das garantias reais e fidejussórias em favor dos credores dissidentes seja “pilar da economia de mercado, assentada na ponderação de oportunidade e risco feita pelo financiador da atividade produtiva, seja na época de fartura, seja em momento de dificuldade. Outrossim, os institutos do Dip Finance e do Credor Parceiro são a viga mestra (chão da fábrica) da recuperação judicial, sem quebra das garantias dos investidores e sem abalo do mercado de crédito”.

Enfim, pelo exposto, ainda que a última decisão apresentada data da maio do corrente ano tenha sustentado que a supressão das garantias, reais e fidejussórias, expressamente prevista no plano de recuperação judicial e aprovada em assembleia-geral de credores, vincula somente os credores que tenham concordado expressamente, resta evidente que a temática não encontrou uniformidade de tratamento na Corte do STJ, o que torna a análise de cada caso concreto que a ela se submete uma nova oportunidade para se testar os limites dos conceitos e dispositivos legais aplicáveis à temática.

 

Maiores detalhes em: REsp nº 1.333.349/SP; REsp 1.388.948/SP; REsp 1.532.943/MT; REsp 1.794.209/SP e REsp nº 1.885.536/SP.